Memória do Jornalismo Esportivo

25 Anos sem João Saldanha

By 14 de julho de 2015 No Comments

Por José Rezende

João Saldanha, o “João Sem Medo”

Nascido em Alegrete, no Rio Grande do Sul, João Saldanha chegou ao Rio de Janeiro já como torcedor do Botafogo:

“Talvez porque, na época, o Botafogo com Martim Silveira, Otacílio e outros era considerado o clube dos gaúchos. E, assim, eu já recortava as fotografias que a Revista da Semana e a Careta publicavam dos times e dos jogadores do Botafogo”.

Saldanha jogou em todas as categorias no Botafogo. Porém, suas grandes conquistas foram como diretor de futebol e, posteriormente, como técnico.

O técnico João Saldanha

“Quando o Kuerschener foi para o Botafogo, eu exerci a função de intérprete. O húngaro além de sua língua falava inglês ou francês. Ali começou o meu aprendizado técnico.

Em 1944, o Ademar Bebiano me chamou para ser o diretor de futebol. Continuei o meu aprendizado com outros dois grandes técnicos, Bengala e Ondino Viera. Em 47, interrompi minhas atividades por razões particulares e de saúde.

Retornei em 1956 para substituir Nelson Cintra na direção do futebol e depois ocupar o lugar de Geninho que não acertou a renovação de contrato com o Botafogo. Minha maior alegria foi, naturalmente, os 6 a 2 com que vencemos o campeonato de 57.”

Surge o “comentarista realmente técnico”

Indicado por seu cunhado, o locutor esportivo Rui Viotti, João Saldanha iniciou sua carreira de comentarista esportivo na equipe da Rádio Guanabara formada por Edson Leite. Saldanha começou ao lado de grandes nomes da radiofonia esportiva como Doalcei Camargo, Jorge Curi e Oduvaldo Cozzi.

Na Rádio Nacional, sob a chefia de Jorge Curi, tivemos a satisfação de conviver de perto com nosso querido Johny, como carinhosamente os companheiros de equipe o chamavam.

Em 1969, na sala do esporte atendemos ao telefone e do outro lado da linha ouvimos: “É o João. Quem está falando?”. Respondi: Fala Johny. É o Rezende. Ele continuou: “Onde está o turco? Sou o técnico da seleção e quero passar a relação das vinte e duas feras.” Quando o Curi atendeu, ele passou a escalação dos titulares e dos reservas.

Foi muito bom conhecê-lo e tê-lo ao nosso lado em várias transmissões esportivas, quando o anunciávamos: “Agora, com vocês ao microfone da Rádio Nacional, João Saldanha, o comentarista realmente técnico”.

Sob o comando de João Saldanha, a seleção brasileira se classificou invicta nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970, no México. Ele também é campeão do mundo.

João “Sem medo” x Castor de Andrade

No dia 17 de dezembro de 1967, Botafogo e Bangu decidiram o título estadual, com a vitória alvinegra por 2 a 1. À noite, logo no início do programa Grande Revista Esportiva Facit, João Saldanha acusou os dirigentes banguenses de corruptores, além de falar sobre algumas suspeitas. Sem ser convidado para o programa, chegou aos estúdios da TV Globo Castor de Andrade, vice-presidente de futebol do Bangu.

Castor indignado achava que Saldanha não devia insinuar que Manga estava vendido ao Bangu, como vinha fazendo. Os dois partiram para o desforço pessoal e o programa saiu do ar. Minutos depois a Revista Facit prosseguiu sem a presença de Castor nos estúdios e com Saldanha afirmando que não retirava uma palavra do que dissera.

João Saldanha sabia o que estava dizendo e suas suspeitas foram reforçadas por declarações de outros integrantes da crônica esportiva.

Antes do jogo entre Botafogo e Bangu apareceram faixas no Maracanã falando em Campeonato da Corrupção e apontando Castor de Andrade e Otávio Pinto Guimarães como aliciadores de árbitros. O peso maior das acusações caía, especialmente, sobre Gualter Portela Filho que apitara Bangu 2 x Fluminense 1, na quinta-feira, dia 14 de dezembro, quatro dias antes da decisão.

No vestiário do Bangu, Euzébio de Andrade, presidente do clube e pai de Castor, quando cruzou com Afonso Soares deu-lhe um soco. Euzébio acusou o comentarista de ter feito campanha para influir na arbitragem de Antônio Viug que dirigiu a partida final entre Botafogo e Bangu.

Clóvis Filho, locutor da Emissora Continental, no programa esportivo do Canal 9, disse que chegou a querer largar o microfone, enojado com a arbitragem de Gualter Portela Filho no jogo Bangu e Fluminense.

Luís Fernando, também da Emissora Continental e que era conhecido como o “Repórter que sabe de tudo”, revelou que um diretor do Fluminense lhe dissera, na presença de duas testemunhas, que os encontros entre Castor de Andrade e os árbitros eram realizados na boate Garrafão, em Santa Cruz.

Carlos Marcondes, comentarista e chefe da equipe esportiva da Emissora Continental, declarou que um árbitro lhe afirmara que ele, Amilcar Ferreira e Antônio Viug atuaram pouco no primeiro turno do campeonato, porque não estavam no esquema.

Orlando Batista, chefe do Departamento de Esportes da Rádio Mauá, falou que recebeu a informação do locutor Januário de Oliveira e de João Silva, presidente do Vasco, de que Mário e Ari Clemente, jogadores do Bangu, foram à concentração do Vasco, no dia do jogo, oferecer dinheiro para ganhar do Botafogo.

As declarações de João Saldanha não agradaram o goleiro Manga que o desafiou a comparecer ao ginásio do Mourisco, na terça-feira, dia 19, local da festa dos campeões alvinegros.

Bebeto de Freitas fala sobre o encontro entre Manga e João Saldanha na festa de comemoração pelo título de campeão estadual de 1967:

Saldanha atira e Manga corre

“Nesse dia, meu tio na Rádio começa a falar que o Manga teria se vendido ao Bangu ou alguma coisa nesse sentido. Veio a festa dos campeões ali no Mourisco. Quando cheguei, o Luís Mendes me disse:

“O seu tio está aí e todos estão preocupados porque ele está esperando o Manga”. Eu era um moleque, tinha 17 anos, e falei com meu tio, como é, como não é… Perguntei se estava tudo bem e ele me respondeu: “Tudo bem, tudo bem”. Com aquele jeitão dele.

De repente, entra o Manga e meu tio vai andando na direção dele e vou ao lado. O Manga sai do carro e meu tio grita: “Ô Manguinha!”. O Manga olha e responde: “Foi bom lhe ver. Preciso muito falar com o senhor.”

Quando os dois estavam a uns dois ou três metros um do outro, meu tio tirou um revólver que ele tinha, se não me engano era do meu avô, e falou: “Com bandido eu trato é assim…” Eu vi a arma na mão dele e disse que isso tio. Nisso aquele tiro estourou na minha frente. Eu fiquei parado. Aí, o Manga sai correndo e pula de vez aquele muro grande que dá para o túnel do Pasmado”.

A última empresa em que Saldanha exerceu a função de comentarista foi a Rede Manchete de Televisão. Já com a saúde debilitada, João trabalhou durante a Copa do Mundo de 1990. Quando terminou o mundial, ele permaneceu na Itália, onde faleceu no dia 12 de julho de 1990.

“Meus amigos…”, eterna saudade do nosso querido Johny.

  • João Saldanha, na boca do túnel, comanda o Botafogo no jogo final do campeonato carioca de 1957 contra o Fluminense. Ao lado de Saldanha, o médico Dr. Carvalho Leite.

F 01

  • Torcedores alvinegros eufóricos com a conquista do título carregam João Saldanha após a partida Botafogo 6 x Fluminense 2.

F 02

  • João Saldanha com seus companheiros da Rádio Nacional, em 1969, ano em que assumiu a direção técnica da seleção brasileira. A partir da esquerda, Saldanha, Moisés Maciel, Paulo César Tênius, José Rezende, Márcio de Souza, Jorge Curi, Pedro Paradela e sentado Waldir José.

F 03

  • Na sede da CBF, na Rua da Alfândega, Saldanha dá entrevista como novo técnico da seleção brasileira.

F 04

  • Imediatamente após assumir o cargo de técnico da seleção, Saldanha tirou do bolso um pedaço de papel com a escalação de seu time titular.

F 05

  • Saldanha durante treino da seleção brasileira.

F 06

  • João Saldanha e Geraldo José de Almeida juntos transmitiram as emoções da Copa de 70.

F 07