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Lido com Esporte: Um mito ainda polêmico

By 4 de agosto de 2016 No Comments

Por Marcos Eduardo Neves

Temas levantados em biografia de João Saldanha continuam atuais

Biografia que se preza precisa ter pretensão de ser definitiva. Menos no caso de João Alves Jobim Saldanha. Após um mergulho de quatro anos na história do personagem, o jornalista André Iki Siqueira teve, mais do que sensibilidade, a humildade de perceber que não conseguiria fazer algo cabal sobre o misto de jornalista, técnico e ativista político. Afinal, a cada minuto espocam novas histórias e fatos – nem sempre verídicos – vividos pelo mito. Em “João Saldanha, uma vida em jogo (552 páginas, Companhia Editora Nacional), o autor constrói um romance com tópicos de aventura, suspense e até comédia. O livro deu asas ao filme João, documentário feito em conjunto com Beto Macedo e produzido pela TV Zero (disponível no Now, da Net).

Aliás, o livro nasceu da ideia de se gravar o curta-metragem: “Juntei mais de 100 horas de gravações com histórias do João. São pilhas de documentos. Não podia sair cortando e ‘matar’ o João. Tive de escrever o livro.”

Nas páginas da obra, Saldanha, que completaria 99 anos de vida no último dia 3 de julho, mostra-se mais atual do que nunca. O Alegrete Kid, de Henfil, antecipava fatos que acontecem hoje em dia.

“A militarização, a burocratização do treinamento, o desaparecimento progressivo dos campos de pelada, a banalização do espetáculo, a mercantilização excessiva, a supremacia das teorias de treinamento burramente baseadas na supervalorização das forças táticas sobre o talento e a habilidade… Assim vamos ao vinagre”, costumava dizer João.

Porém, o João Sem Medo, de Nélson Rodrigues, não se ateve somente às quatro linhas. Como um autêntico John Wayne brasileiro – como alcunhou Jaguar –, seu caráter combativo, destemido, vinha de berço: seu pai, maragato, lutava contra chimangos, no Rio Grande do Sul. Inteligente, culto, charmoso, brigão e boêmio, Saldanha atacou várias searas. Foi treinado por Neném Prancha na praia de Copacabana. Ganhou, como técnico, o primeiro título do Botafogo no Maracanã. Revolucionou, como comentarista esportivo, a linguagem do rádio. Foi ativista do Partido Comunista Brasileiro mesmo quando visado, por comandar a Seleção nas Eliminatórias da Copa de 70. Improviso e criatividade eram seus lemas. Saldanha não gostava de ser contrariado, mas seu papo era capaz de f azer um guarda de trânsito emprestar um apito a um árbitro de pelada.

Os mistérios que rondam Saldanha datam de seu nascimento. Teria sido em Alegrete, Porto Alegre, Ibirocaí ou no Uruguai? Ninguém sabe precisar. Ao crescer, fez amizades com todo tipo de gente, como Heleno de Freitas, Oscar Niemeyer, Ibrahim Sued, Erico Veríssimo e Jorginho Guinle. Para se ter ideia, o escritor Monteiro Lobato fez questão de conhecê-lo pessoalmente.

Contudo, o homem que ensinou táticas de guerrilha a camponeses do Paraná, e que ajudou a preparar a ‘Greve dos 300 mil’, de São Paulo, também acumulou algozes. Como Castor de Andrade, João Havelange e Emílio Garrastazu Médici. Mulherengo, João teve cinco feras a tentar domá-lo com casamentos. Ainda assim, pregava o regime aberto de concentração. Só aconselhava os jogadores a não trocar de mulher na mesma semana, para evitar maiores desgastes.

João parou de fumar em 1970, mas sofreu todos os males do cigarro. Aos 72 anos, embarcou para a Copa da Itália, em 1990, de cadeira de rodas. Cronista do Jornal do Brasil desde 1975, escreveu em Roma o seu último artigo. Não voltou vivo do Mundial. Fisicamente. No imaginário popular, Saldanha continua mais vivo do que nunca.

 

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Capa do Livro de André Iki Siqueira